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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1998 Barbara Joel

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Uma noiva especial, n.º 317 - fevereiro 2018

Título original: Seduction of the Reluctant Bride

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9170-948-0

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Capítulo Onze

Se gostou deste livro…

Capítulo Um

 

Digger Jones tinha morrido.

Ninguém na povoação de Cactus Flat, Texas, podia acreditar. Quem podia pensar que um inesperado temporal pudesse ter levado o dono do velho café? Trabalhava na sua mina no Desfiladeiro de Lonesome Rock há mais de quarenta anos e sobrevivera a ossos partidos, pneumonias, mordeduras de serpentes e à climatologia que imobilizara a cidade de Nova Iorque. Digger Jones era demasiado teimoso para morrer.

O temporal tornara o desfiladeiro, onde Digger acampara, num rio furioso que levara tudo à sua passagem. Os grupos de busca só tinham encontrado metade de uma tenda e algumas roupas. Talvez fossem precisos meses para encontrarem o corpo, depois da devastação que o rio deixara; e o mais provável era que nunca o encontrassem.

Ao pensar nisso, Sam McCants franziu a testa diante do caixão coberto de rosas que repousava sobre o altar. O estado não determinara a sua morte oficial, e Sam discutira com Hollis Fitcher, o dono da funerária, perante o absurdo de colocar um caixão sem cadáver. No entanto, Hollis insistira que Digger tinha pago antecipadamente um funeral de luxo, com um caixão da melhor madeira de carvalho. Com ou sem corpo, Digger teria o funeral que pagara.

A música de órgão também estava incluída, e o organista começou a tocar uma viva interpretação de Amazing Grace, indicando assim que o serviço religioso começaria dentro de uns minutos.

Com a excepção das duas últimas filas, todos os bancos da pequena igreja estavam cheios. Digger podia ter sido um excêntrico proprietário de um café e de uma mina, mas o povo de Cactus Flat ia ter muitas saudades dele.

Sam dirigiu-se para o primeiro banco ao lado de Jake Stone. Savannah, a esposa de Jake, ainda bonita e esbelta, depois do nascimento do seu segundo filho, cumprimentou-o com um beijo no rosto. Ele piscou-lhe um olho.

Não importava que Jake e Sam tivessem sido amigos íntimos toda a vida; o instinto e o facto de Sam ser um solteirão fizeram com que passasse um braço em volta dos ombros da esposa dele.

– Vai procurar a tua própria mulher, McCants.

– Sam não tem que procurar mulheres, querido. Elas encontram-no a ele – Savannah apoiou uma mão tranquilizadora na do seu marido e apertou-a. – Matilda contou-me que na semana passada, quando Sam entrou no Hungry Bear, este ficou totalmente cheio e até houve sarilhos na sua mesa, quando Pattie Wright tentou empurrar a cadeira de Marie Farrel.

– Patty escorregou – Sam defendeu a bonita morena.

As aldeias eram uma maldição para os homens solteiros. Cada movimento que fazia, cada palavra que dirigia a uma mulher, era como gasolina no fogo das coscuvilhices sempre exageradas da povoação.

– Somos só amigos, é só isso.

– E um homem nunca tem amigas suficientes, não é? – Jake arqueou as sobrancelhas e, quando Savannah olhou para ele com a testa franzida, ele aclarou a garganta. – Disseram que serias tu a fazer o panegírico.

Sam admirou a forma como mudara de tema.

– Como Digger nomeou-me testamentário dos seus bens, o reverendo Winslow achou que podia pronunciar algumas palavras.

– E quais são os bens? – os três levantaram o olhar, quando Jared, o irmão de Jake, se sentou no banco atrás deles. Cumprimentou Savannah, com um beijo fraternal. – Tirando um urso embalsamado e umas frigideiras, Digger Jones não tinha nem sequer um relógio.

– Eu queria esse urso – Sam sorriu. – Estou a pensar em comprá-lo e dá-lo de presente a Annie e a ti, para o hall de entrada da casa que estão a construir. E falando da tua bela esposa, diz-me se por fim te abandonou, deixando-me o caminho livre.

Se tivesse sido outro homem, Jared ter-lhe-ia dado um soco, mas Sam sorriu de bom humor.

– O único caminho para chegar a Annie nestes dias deve ser a estrada nacional 747. Faltam-lhe duas semanas para ter o bebé. Ah, aqui está ela.

– Ouvi o que estavas a dizer – Annie sentou-se com cuidado ao lado do seu marido, depois aceitou com indiferença o seu beijo de arrependimento. – Se não tivesse que abrir caminho à força através da longa fila de mulheres, talvez aceitasse a oferta de Sam. Pelo menos ele sabe como tratar uma dama.

A terceira dos irmãos Stone, Jessica Stone Grant, sentou-se ao lado de Annie.

– Claro que sabe como tratar uma dama. Não olhes, Sam, mas Carol Sue Gibson está sentada com Sarah Pearson, e as duas estão a olhar para ti com olhos sonhadores.

«Duas mulheres maravilhosas», pensou Sam, ao virar a cabeça e sorrir-lhes. Carol Sue cruzou as pernas, subindo a saia, e Sarah passou a língua pelos seus lábios vermelhos.

«Ah, é maravilhoso estar vivo».

– Amigos, somos só amigos – afirmou com indiferença e recostou-se no banco.

Jessica, Annie e Savannah levantaram os olhos para o tecto, enquanto Jake e Jared trocaram caretas.

– Tem cuidado, querido, um dia destes vai virar-se o feitiço contra o feiticeiro – murmurou Jessica, ao seu ouvido.

Jared e Jake abanaram a cabeça, e Dylan, o marido de Jessica, sentou-se no banco ao seu lado.

– Queres explicar-me por que é que estás a murmurar ao ouvido de outro homem?

Jessica cumprimentou-o com um leve beijo nos lábios e depois limpou uma mancha de comida de bebé.

– É o Sam, querido. Deixaste o Daniel na casa de Josephine?

– Assim que viu que também estavam lá os primos, foi a correr todo contente. Vês o que é que te espera, Sam? – Dylan passou um braço pelos ombros da sua mulher, e ela apoiou-se nele automaticamente. – Alimento para bebés e amas.

Sam reparou que o olhar que trocavam transmitia muito do seu casamento.

– Isso faz parte do departamento da família Stone – declarou, com a segurança de um solteirão. – Os compromissos não aparecem no futuro deste rapaz.

O órgão acentuou as suas palavras com um acorde profundo e cheio de premonições. Sam sentiu que uma sensação estranha lhe percorria as costas e mexeu-se inquieto no banco.

Então, tão rapidamente como o organista intensificou a sua música, hesitou e perdeu uma nota. Os murmúrios na igreja pareceram apagar-se. Sam, surpreendido, olhou por cima do ombro. Todas as cabeças se viraram para a entrada.

Uma jovem mulher estava nas sombras do vestíbulo, com o sol nas costas reflectindo-se no seu cabelo dourado, que lhe chegava até aos ombros. Estava vestida de preto. Com um fato de saia e casaco cruzado, que acentuava a sua cintura estreita e revelava umas pernas compridas, com meias pretas e sapatos de salto alto. Trazia uma pequena mala com uma tira dourada presa a tiracolo e colada à curva da sua anca esbelta. Estava quieta, a observar o caixão e, depois, olhou à sua volta para as pessoas na igreja.

Todos os homens se endireitaram e as mulheres ficaram rígidas. Sam ficou sem respiração.

Era uma desconhecida, não havia dúvida. Sam vivera no seu rancho do condado de Stone Creek, nas aforas de Cactus Flat, toda a sua vida. Conhecia toda a gente, tanto ali, como nos condados vizinhos. Aquela mulher não era dali. Era da cidade.

O que é que estaria a fazer no funeral de Digger Jones?

– Deus do céu! – exclamou Jessica.

Não foi essa a palavra que passou primeiro pela mente de Sam. Depois, vieram-lhe as palavras: elegante, sofisticada, cosmopolita, intocável. Reparou como observava os bancos através das suas espessas pestanas e perguntou-se de que cor seriam os seus olhos. Surpreendeu-se com o muito que desejou sabê-lo.

O organista voltou a encontrar o ritmo, e o reverendo Winslow, que também parara para observar com curiosidade a desconhecida, ocupou o seu lugar no púlpito.

A mulher dirigiu-se para o último banco, sentou-se de costas direitas e com olhar fixo no reverendo. A música parou e as outras pessoas acomodaram-se e viraram-se para a frente.

O reverendo ergueu os ombros e lançou um olhar sobre o recinto, parando um instante no último banco. Sam sorriu ao imaginar o devoto reverendo preso pelo feitiço da loura desconhecida, mas mesmo os homens do clero tinham direito às suas fantasias.

E aquela mulher era a viva encarnação das fantasias masculinas. Poderia ter jurado que por debaixo do casaco vira renda. Renda preta contra uma pele branca e sedosa. Que homem não se perguntaria o que havia por debaixo daquela fachada fria e se as meias pretas iam até à cintura estreita ou se só chegavam às coxas, umas coxas que…?

Jake deu-lhe uma cotovelada.

– Eh?

Foi a resposta mais inteligente que conseguiu dar, ao acordar do seu sonho. Jake indicou-lhe o púlpito. O reverendo Winslow já o tinha apresentado e olhava para ele com reprovação. Maldição. Levantou-se, alisou o casaco e dirigiu-se para o púlpito.

 

 

Joseph Alexander Courtland III tinha instruído a sua única filha desde tenra idade sobre a importância da emoção disciplinada. Faith ficara-lhe muito agradecida por isso, especialmente naquele momento.

Tinha visto como todas as cabeças se tinham virado quando entrara na igreja. Sentiu os seus olhares curiosos e cautelosos. Sabia que não confiavam em desconhecidos, e, às vezes, nem confiavam nos amigos, nem na família.

O clérigo, vestido com a sua túnica preta, tinha um cabelo castanho ralo e trazia uns óculos redondos, com aros de metal. A sua voz solene deu as boas-vindas a todos, depois olhou para ela e apresentou-se como sendo o reverendo Winslow. Como era evidente que todos os outros assistentes o conheciam, Faith percebeu com apreensão de que estava a falar para ela. Resistiu ao impulso de se encolher e devolveu o olhar, fingindo que não reparava que várias cabeças se tinham voltado directamente para ela.

O reverendo citou vários salmos, falou brevemente sobre a trágica perda de Francis Elijah Montgomery, mais conhecido por Digger Jones, e chamou um amigo de Digger para que falasse. Faith ficou paralisada quando o apresentou.

– Sam McCants.

O homem que ela tinha ido ver levantou-se. Esperara que fosse mais velho. Digger morrera aos setenta e dois anos, e Faith pensara que nomeara para testamentário alguém mais próximo da sua idade, um amigo de toda a vida. Aquele homem não passava dos trinta e quatro ou trinta e cinco anos.

Era bastante alto e dirigiu-se com passadas largas para o púlpito. Talvez medisse um metro e noventa de altura. Tinha o cabelo ondulado, que lhe chegava até ao colarinho da camisa branca, e era quase tão preto como o fato que vestia. Faith notou com interesse que o fato lhe assentava muito bem nos seus ombros largos e na sua cintura estreita. Perguntou-se se o casaco lhe ficaria bem também de costas e se taparia o seu traseiro.

Aquele pensamento impróprio apanhou Faith de surpresa. Franziu a testa, ergueu-se e controlou a sua curiosidade. Viera em trabalho e, quanto antes o acabasse, mais rapidamente regressaria a Boston. Não se podia distrair.

Quando o homem levantou a cabeça e olhou directamente para ela, a sua concentração perdeu-se.

Tinha um belo rosto: olhos escuros e intensos, traços fortes e masculinos, um queixo pelo qual as agências de publicidade pagariam um bom dinheiro e, só quando o homem afastou o olhar de Faith, é que ela reparou que estivera a conter a respiração.

– Digger Jones – começou com voz profunda e vibrante – era o homem mais irascível, teimoso e lutador que alguma vez conheci na minha vida.

Ela esteve quase para soltar uma exclamação. Como podia dizer aquilo depois dele ter perdido a vida daquela maneira tão trágica? Surpreendida, Faith olhou à sua volta. Todos anuíam.

– E ninguém – continuou Sam. – Ninguém gostava mais dele do que eu.

Houve sorrisos. Algumas das senhoras secaram as lágrimas. Aliviada, Faith apoiou-se nas costas do banco. Qualquer ressentimento ou agravo que tivesse o senhor McCants ou a aldeia contra Digger Jones podia complicar o trabalho que ia realizar.

– Muitos de vocês – declarou Sam, aproximando-se do caixão – provavelmente estarão a pensar o mesmo do que eu… que a tampa do caixão se abrirá a qualquer momento e que Digger se levantará a resmungar contra tanto alvoroço e a perguntar por que é que Matilda não está a fazer os hamburgers e batatas fritas para a hora do almoço.

Ouviram-se risadinhas e uma loura platinada assoou-se. Faith supôs que deveria ser Matilda.

– Mas todos sabemos – continuou. – Que este caixão está vazio. Digger continua nas montanhas, nos desfiladeiros que tanto amou e onde trabalhou toda a sua vida. Algumas pessoas talvez o considerassem parvo ou mesmo maluco por dedicar toda a sua vida a uma mina de prata. Mas eu admirei-o. Admirei a sua tenacidade, a sua determinação e o seu sonho.

Quando Sam levantou o olhar para o céu, ouviram-se algumas gargalhadas e Faith cerrou os lábios com força. Só tinha assistido a dois funerais em toda a sua vida, o primeiro: há quatro anos atrás, quando tinha vinte e dois anos. Randolph Hollingsworth, o fundador da Associação Empresarial de Boston, falecera aos oitenta e quatro anos. A dignidade e a formalidade tinham sido o protocolo para o ancião. E mesmo quando o postiço de Russell Mathews caíra directamente no colo da viúva de Hollingsworth, ninguém se tinha rido.

E depois fora o segundo funeral: há só seis meses atrás.

O do seu pai.

Também não houve risos. O serviço em honra de Joseph Alexander Courtland III tinha sido solene, e a posterior recepção fora sossegada e reservada, tal como o falecido.

– Só tinha dez anos a primeira vez que Digger me levou para as montanhas para procurar prata – continuou Sam, e Faith voltou a concentrar a sua atenção. – Sabia que ia voltar para casa rico, com as pepitas de prata nos meus bolsos – fez uma pausa e sorriu na direcção do caixão. – Voltei com o traseiro dorido depois de quatro dias a montar a cavalo e com mais bolhas nas mãos do que os dentes de Pete Johnson.

A assistência voltou a rir e um homem magrinho com um fato pequeno levantou-se e tirou o chapéu, enquanto sorria para as pessoas com um gesto parecido ao das marmotas.

– Mas a desilusão de um rapaz novo – declarou Sam, em voz baixa – tornou-se na realização de um homem. Compreendi que voltara rico para casa depois daquela viagem e que trazia comigo muito mais do que qualquer riqueza material pode comprar. Digger ensinou-me a insistir e a nunca abandonar o que valorizo, não importa o preço. Ensinou-me a valorizar as nossas famílias, os nossos objectivos e os nossos sonhos – tocou no caixão com um gesto terno de despedida. – Adeus, Digger Jones. Podes não ter encontrado o teu tesouro, mas foste um dos homens mais ricos que tive o prazer e a honra de conhecer.

O órgão começou a tocar, assim que Sam voltou para o seu banco. Faith esforçou-se por conter as lágrimas que ameaçavam cair no seu rosto. O que é que lhe estava a acontecer? Não tinha motivo para chorar. Estava só cansada da viagem, sob uma pressão imensa e nervosa por ter que conhecer o senhor McCants.

E se o panegírico tivesse sido comovedor? E se Digger tivesse produzido tanto impacto nas vidas daquela gente? Nada disso tinha a ver com ela, nem com o motivo da sua presença ali. Ela era Faith Alexis Courtland, filha de Joseph Alexander Courtland III e de Colleen Jane Buchanan. Não chorava nos funerais e sob nenhum pretexto se ria.

Um a um, os presentes pararam diante do caixão, os homens levando o chapéu na mão, as mulheres com um lenço nos olhos. Faith permaneceu onde estava, ignorando os olhares curiosos das pessoas, à medida que saiam da igreja.

Para manter os olhos afastados e as mãos ocupadas, procurou um lenço na sua mala. Não tinha vontade de falar com ninguém e aguardou até a igreja ficar vazia para voltar a guardar o lenço. Respiraria fundo três vezes e ficaria bem. Sob controlo. Calma.

– Posso ajudar-te em alguma coisa?

Virou a cabeça e viu os olhos escuros de Sam McCants. Levantou-se demasiado depressa e a mala caiu-lhe dos dedos, ainda aberta. O seu conteúdo espalhou-se pelo desgastado, mas brilhante chão de madeira de carvalho.

«Maravilhoso, maravilhoso», gemeu mentalmente. Uma fantástica primeira impressão.

Sam reparou que os seus olhos eram de um azul pálido. Percebeu que a tinha sobressaltado e, durante uns instantes, mesmo antes de ter erguido os ombros e levantado o belo queixo, viu algo neles que contradizia a sua imagem exterior de indiferente sofisticação. Uma angústia profunda.

Agachou-se para a ajudar, mas os dois moveram-se ao mesmo tempo e só conseguiram tropeçar um no outro. O contacto, embora fugaz, invocou uma imagem de corpos ardentes. O súbito rubor nas suas faces, encantou-o. Captou a sua fragrância, cara e exótica.

Ela retrocedeu com os olhos fechados.

– Desculpe.

A sua formalidade divertiu-o e intrigou-o. Observou como se agachava com modéstia e apanhava do chão uma carteira fina, uma escova do tamanho da palma da mão e umas chaves com a insígnia de um carro de aluguer. Desfrutou ao ver uns centímetros adicionais das suas pernas, quando estendeu a mão para agarrar numa caneta dourada.

– Importa-se?

Apontou para o ton que rodara para debaixo dos seus pés. Apanhou-o e olhou para a etiqueta, enquanto lho devolvia.

– «Rubor Passional» – leu em voz alta. – Muito bonito.

Ela guardou o tubo prateado na mala, fechou-a e colocou-a ao ombro, enquanto se levantava.

– Faith Courtland, senhor McCants.

Ele desceu o olhar para a sua mão estendida. A sua voz era tão rígida como os colarinhos engomados que a sua mãe lhe fizera levar todos os domingos para a igreja quando era criança.

– Aqui em Cactus Flat somos pessoas simples, Faith, por que é que não me chama Sam?

Ela sorriu e anuiu sem hesitações.

– Sam.

Tinha os dedos compridos e suaves. Quentes e sem anéis. Apertou a sua mão mais tempo do que devia.

– Não te tinha visto antes, Faith – lembrar-se-ia dela. – És amiga de Digger?

– Digger? – repetiu ela. Aclarou a garganta e depois soltou a mão. – Oh, sim, com certeza, o senhor Montgomery. Não, não sou amiga. Na realidade, senhor McCants, quero dizer Sam, vim para te ver.

Ele precisou de uns momentos para assimilar as suas palavras. Não esperava que ela tivesse dito aquilo.

– Vieste ver-me, a mim?

– Não és tu o testamentário do senhor Montgomery? O dono do rancho do Círculo B, do condado de Stone Creek?

Como sabia? E por que é que não parava de mencionar o senhor Montgomery. Digger tinha a tendência de bater nas pessoas que o chamassem pelo seu verdadeiro nome.

– Sim – replicou, devagar. – Digger nomeou-me testamentário dos seus bens, mas duvido que estejas interessada num urso embalsamado ou numas frigideiras.

– Desculpe?

– Esquece. Vou para uma recepção no hotel. Podes fazer-me companhia, mas primeiro por que é que não esclarecemos o motivo pelo qual vieste ver-me?

– Sim, claro – replicou. – Senhor McCants… Sam… gostaria de te informar que eu… e a empresa Elijah Jane Corporation estamos ansiosos por solucionar a questão dos bens do senhor Mont… de Digger.

– Elijah Jane Corporation? A cadeia de restaurantes? – Sam franziu a testa. – Por que é que estão interessados em Digger? E de que bens estão a falar? Digger tinha um pequeno café, num local alugado, vivia num diminuto quarto de hotel e tinha uma velha camioneta. Isso, para além do urso embalsamado e das frigideiras que já mencionei, são os únicos bens de Digger.

– Queres dizer que não sabes? – abriu muito os incríveis olhos azuis.

– Saber o quê? – a sua pergunta, uma espécie de grito rouco, percorreu-o como dedos sedosos.

Ela já recuperara a compostura e tinha a voz controlada e firme.

– Senhor McCants, Francis Elijah Montgomery, conhecido por Digger Jones, era o único proprietário da Elijah Jane Corporation, uma empresa com um activo bruto de mais de duzentos milhões de dólares e com uns benefícios líquidos de aproximadamente vinte milhões de dólares.