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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2005 Michelle Reid

© 2015 Harlequin Ibérica, S.A.

Herança de paixões, n.º 1612 - Maio 2015

Título original: The Brazilian’s Blackmailed Bride

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2006

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-6898-4

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Capítulo 1

 

Havia uma certa elegância antiga, naquele quarto com painéis de nogueira, que fazia com que a ideia de gritar de fúria parecesse totalmente inaceitável. Em circunstâncias normais, Anton Luís Ferreira Scott-Lee nem sequer teria pensado nisso.

Contudo, não havia nada de normal naquela situação e a fúria estava lá, latente, mesmo que estivesse contida.

– Terei de me demitir – anunciou, fazendo com que as duas pessoas que o acompanhavam se sentissem alarmadas.

A sua mãe era demasiado jovem para ter cinquenta anos e demasiado bonita para ser viúva, porém, aparentemente não era demasiado jovem, depois de se ter casado aos dezanove anos, para esconder um passado sombrio que voltara para a perseguir.

– Mas, meu querido... – replicou ela em português do Brasil, depois de se recuperar levemente. – Não podes demitir-te!

– Não acho que haja outra opção.

Maria Ferreira Scott-Lee tremeu e afastou os seus olhos castanhos do filho.

– Não digas loucuras, rapaz – replicou Maximilian Scott-Lee com impaciência. – Isto não tem nada a ver com o banco! Vamos tentar manter a objetividade.

Max queria objetividade? Anton afastou o olhar da sua mãe, observou o homem que passara toda a vida a chamar de «tio» e sentiu uma necessidade enorme de lhe dar um murro na cara.

Naquele assunto, não havia objetividade, pensou enquanto se virava para olhar por uma das janelas que rodeavam o escritório da casa dos Scott-Lee na Belgravia.

Lá fora, estava um dia horrível. A chuva batia com força nas poucas folhas que restavam nas árvores da praça. Anton sabia como essas folhas se sentiam. Há duas horas, estava um dia ensolarado de inverno em Londres e ele fora a uma reunião, seguro na sua posição como diretor do prestigioso banco Scott-Lee.

No entanto, agora dava por si à deriva como aquelas folhas açoitadas pela tempestade.

Cerrou os dentes enfatizando a covinha que tinha no queixo, uma covinha que nunca questionara até esse mesmo dia, tal como não questionou muitas coisas sobre ele próprio que, de repente, não faziam sentido.

E porque devia fazê-lo? Era o filho único da beleza brasileira Maria Ferreira e do rico banqueiro inglês Sebastian Scott-Lee, pelo menos era o que pensara até esse momento e, naturalmente, pensara que os seus traços latinos eram herança da sua mãe enquanto a sua mente empresarial provinha do seu defunto pai inglês.

Ao princípio, depois de ler a carta de um brasileiro chamado Enrique Ramirez que dizia ser o seu pai verdadeiro, pensara que se tratava de algum tipo de brincadeira macabra. Precisara de enfrentar a sua mãe e o seu tio naquela conversa para perceber que a teoria da brincadeira não era verdade. Nesse momento, encontrava-se a tentar aceitar não só o facto de que aquele homem brasileiro dizia a verdade, como também o facto de que o homem que sempre considerara seu pai soubesse da aventura da sua mãe com Enrique e que ele não era o seu filho verdadeiro. Uma adoção silenciosa e discreta garantira a Anton uma posição legal na vida de Sebastian Scott-Lee, tal como a segurança de que nunca descobriria a verdade.

– Sabes tão bem como eu que, sem ti o banco, não teria hipótese – afirmou Max depois de um longo silêncio. – Tu és o banco, Anton. Se te demitires, as pessoas quererão saber porque te foste embora. Conhecerão a verdade, porque essas coisas tão suculentas sabem-se sempre e o apelido familiar ficará...

– Essa verdade ninguém sabia – respondeu Anton, com frieza.

– Porque o meu irmão se certificou de que fosse assim – acrescentou Max. – Quem diabo teria imaginado que Ramirez apareceria com os seus últimos desejos e o testamento?

– E nunca pensaste que eu tinha o direito de saber isso? – perguntou Anton à sua mãe.

Maria ficou tensa e agarrou com força no lenço que tinha sobre o seu colo.

– O teu pai não queria que...

– Enrique Ramirez é o meu pai! – exclamou Anton.

– Não! – contradisse Maria enquanto abanava a cabeça. – Enrique foi um erro terrível na minha vida, Anton. Tu não tinhas de...

– Saber que estive a viver uma mentira durante trinta e um anos de vida?

– Lamento – sussurrou Maria, levando o lenço à boca.

– Ouvir-te dizer isso não ajuda muito.

– Não compreendes que...

– Como posso compreender? – perguntou Anton. – Pensava que era filho de um homem que amava e respeitava acima de todos os homens. Agora descubro que sou o resultado de uma aventura extramatrimonial que tiveste com um garanhão brasileiro experiente e jogador de polo.

– Não foi assim – contradisse Maria, ficando cada vez mais pálida. – Estive com Enrique antes de me casar com o teu pai.

– Deixa-me esclarecer-me – pediu Anton. – Tiveste uma aventura com este tipo. Deixou-te grávida, portanto procuraste um substituto apropriado para ocupar o seu lugar, encontraste Sebastian e obrigaste-o a ficar comigo? Assim, sem mais nem menos?

– Não! – exclamou a sua mãe, levantando-se pela primeira vez desde que a discussão começara. – Não permitirei que me fales nesse tom tão insultante, Anton! O teu pai sabia. Sempre soube! Fui sincera com ele desde o começo. Perdoou-me e amou-te como se fosses o seu próprio filho. O seu nome aparece na tua certidão de nascimento. Ele criou-te. Estava muito orgulhoso de tudo o que fazias e nunca te tratou mal. Portanto, não te atrevas a desonrar a sua memória ao falar disso com ódio.

Anton virou-se com uma mistura de raiva e ressentimento. Adorara o seu pai e tentara parecer-se com ele em todos os sentidos. Quando Sebastian morrera num acidente de carro, Anton ficara meses perdido num buraco negro, consumido pela tristeza.

– Sempre soube que não me parecia nada com ele – declarou.

– O meu irmão sabia que não podia ter filhos, Anton – acrescentou Max, com severidade. – Já sabia isso quando conheceu Maria e se apaixonou por ela. Quando lhe contou sobre ti, ele viu o teu nascimento iminente como um presente.

– Um presente que insistiu que se mantivesse em segredo.

– Não lhe negues o direito a ter o seu orgulho – ripostou o seu tio, com um suspiro.

Contudo, Anton não conseguia pensar no orgulho de ninguém nesse momento a não ser no seu.

– Sou o filho de um brasileiro – murmurou. – Vivo como um inglês, falo, penso e comporto-me como um inglês e... Bolas! – exclamou e deu um murro no parapeito de madeira da janela ao lembrar-se de algo. Algo que tentava esquecer há seis anos.

Nesse momento, uma cara apareceu à sua frente, uma cara indubitavelmente adorável, com olhos escuros e uma boca carnuda e desejável. «Mas não posso casar-me contigo, Luís. O meu pai não o permitiria. O nosso sangue português deve permanecer puro...»

– Ramirez é um apelido português? – perguntou, de repente.

– Sim – respondeu a sua mãe.

Anton tentou respirar fundo, mas não conseguiu. Sentia-se furioso por dentro enquanto revivia aquele momento da sua vida em que aquela mulher lhe dissera que não era suficientemente bom para ela.

Cerrou os dentes enfatizando a covinha do seu queixo. Não era suficientemente bom. Ninguém antes se atrevera a dizer-lhe algo semelhante.

E não voltaria a dar-lhe a oportunidade de o dizer novamente.

E foi então que sentiu o frio, um frio que aqueles que o conheciam receavam. Virou-se para observar a sala e viu a sua mãe a tentar conter as lágrimas. O seu tio simplesmente parecia velho. A saúde de Maximilian não era boa. Sofrera o seu primeiro ataque de coração, que o obrigara a afastar-se do banco, apenas semanas depois da morte do seu irmão. As palavras que dirigira nessa altura ao seu sobrinho torturado foram: «Fica com o controlo, rapaz. Confio em ti para fazeres com que esta família se sinta orgulhosa».

Essa palavra novamente. «Orgulho».

Ficou tenso ao pensar nisso. Para estar realmente orgulhoso de alguém, tinha de se aceitar essa pessoa pelo que era. Essas pessoas que diziam adorá-lo só adoravam uma mentira que tinham construído para proteger o seu próprio orgulho.

Anton aproximou-se da secretária que pertencera a Sebastian antes de morrer e deixar tudo o que possuía, incluindo a casa em Belgravia, o imóvel familiar perto de Ascot e quase todas as ações do banco Scott-Lee, à pessoa que o deixava tão orgulhoso e a quem chamava seu filho.

Porém, Anton não se sentia orgulhoso naquele momento. Ou melhor, sentia-se furioso e enganado em demasiados aspetos.

Sobre a secretária havia uns documentos que o advogado que geria o caso de Ramirez lhe enviara. Tentando conter mais uma vez as emoções, procurou entre os papéis até encontrar o que queria.

– Ainda há mais – continuou e viu como a sua mãe e o seu tio ficavam tensos. – Ele não só diz ser meu pai, como há mais dois como eu em algum lugar. Mais dois filhos.

Dois meios-irmãos com mães mentirosas? Fez uma careta com raiva ao pensar nisso.

– Tendo em conta o estilo de vida experiente e despreocupado de Ramirez, podem estar em qualquer parte.

– Queres dizer que não disse onde estão?

– Não, não exatamente – declarou Anton, com cinismo. – O que conseguiria ele se fizesse com que tudo fosse tão simples?

Já estava a começar a conhecer Ramirez e não achava graça nenhuma. De facto não o suportava.

– Mas está morto...

– Sim – assentiu Anton, – mas continua a rir-se às minhas custas e dos meus meios-irmãos. Esteve anos a seguir-nos.

Era como se tivessem invadido a sua intimidade, como se tivesse sido espiado por um acossador sem cara. Anton sentia pele de galinha ao pensar nas coisas que Ramirez sabia sobre ele. Em que escolas andara, os seus sucessos académicos. Conhecia cada troféu desportivo que ganhara, cada acordo financeiro que selara com sucesso. Até conhecia todos os outros troféus que acumulara nesse outro campo desportivo, a sua cama.

– Vê-nos como três obcecados pelo sexo – concluiu. – Portanto, na sua opinião, tenciona ensinar-nos, aos meus irmãos e mim, uma lição na vida que, aparentemente, ele só aprendeu quando era demasiado velho e era demasiado tarde para mudar o que era.

Viu como a sua mãe tremia ao ouvir a intimidade com que já se referia aos seus irmãos.

– Ramirez tinha muito dinheiro – continuou. – E não estamos a falar de poucos milhões. Possuía minas de diamantes, de esmeraldas, alguns dos poços de petróleo mais ricos do Brasil... – o facto de notar nas suas caras que lhes estava a contar coisas que já sabiam, não fez com que se sentisse melhor. – Nós, os seus três filhos, podemos partilhar o espólio – explicou sarcasticamente. – Desde que cumpramos várias condições que o nosso pai horrível e covarde deixou escritas no seu testamento.

– Enrique não era horrível – protestou a sua mãe.

– E então como era? – perguntou Anton.

– Era agradável, bonito, encantador, como tu.

Anton sentiu a fúria voltar a acumular-se no seu interior ao ver que a sua mãe continuava a defender aquele canalha.

– Que tipo de condições? – perguntou Maximilian, da sua cadeira.

– Só posso falar por mim, porque é só disso que se fala aqui – retorquiu ele. – Tenho de esquecer os meus namoros com as mulheres – acrescentou, com um sorriso sarcástico. – Tenho de me tornar responsável, encontrar uma esposa, assentar e engendrar herdeiros.

– Meu Deus! – exclamou Max. – Esse homem devia estar louco quando pensou nisso.

Vindo de um solteiro incorrigível, a atitude do seu tio fazia sentido.

– Isso faz com que me pergunte o que terão de fazer os meus irmãos antes de ganharem o direito de me conhecerem.

– Tu não tens de fazer nada, querido – declarou a sua mãe. – Não precisas do seu dinheiro. Não precisas de nada...

– Não quero o maldito dinheiro dele. Quero conhecer os meus meios-irmãos! – exclamou Anton. Viu como a sua mãe se arrepiava e amaldiçoou-se por isso. E amaldiçoou Ramirez por fazer aquilo a todos eles. A sua mãe tinha razão, ele não tinha de fazer nada. Mas saber isso não mudava o facto de que se sentia enganado, de que sentia que lhe tinham negado o direito de saber muitas coisas sobre si próprio.

Porém, dessa vez, não deixaria passar a oportunidade de conhecer as pessoas do seu próprio sangue, independentemente do preço que tivesse de pagar.

O preço.

Voltou a concentrar a atenção nos papéis que tinha à sua frente e releu o parágrafo em que Ramirez o acusava de ter abandonado uma mulher há seis anos, deixando-a numa situação muito má. Insistia que Anton emendasse isso e dava-lhe seis meses para o fazer. Nessa altura, teria de se encontrar com um advogado no Rio, já com essa mulher como esposa e grávida dele. Caso contrário, não podia conhecer os seus irmãos e a sua parte da herança passaria para ela.

– E o que vais fazer? – perguntou a sua mãe.

Anton não a ouviu. Estava demasiado concentrado a ver o nome que escrevera sobre o papel. Um nome que o fazia lembrar-se da imagem daquela mulher de cabelo comprido e preto com a sua boca provocadora e aqueles olhos pretos que tinham a capacidade de se transformar em rubis incandescentes quando...

– Anton...?

Levantou o olhar ao ouvir a sua mãe, mas não a viu, porque em vez disso via a outra mulher que fora tão importante no seu desenvolvimento como pessoa. O seu corpo ardia por dentro cada vez que se permitia...

– Anton, por favor, diz-me o que tencionas fazer – pediu a sua mãe.

– Levar a cabo os seus desejos – murmurou, num tom de voz frio e severo.

– O quê? Vais casar-te por ordem de um morto? – perguntou o seu tio horrorizado. – Estás louco, rapaz?

«Completamente louco», pensou Anton sentindo o calor crescer dentro dele. «Mas decidido a fazê-lo». Ia perseguir e casar-se com aquela mentirosa chamada Cristina Marques e tornar a sua vida num inferno sexual.

 

 

A sala de leitura velha e descuidada que fora o refúgio do seu pai retumbou com o som das vozes alteradas.

– Por amor de Deus, Cristina, tens de me ouvir. Se tu...

– Não, ouve tu! – exclamou ela, batendo na secretária com força. – Disse que não!

Rodrigo Valentim sentou-se frustrado na cadeira.

– Se não segues os meus conselhos – replicou, com um suspiro, – então o que estou a fazer aqui?

– Estás aqui como meu advogado para encontrares maneira de me safar disto.

– E repito – insistiu ele. – Não posso fazer isso.

Cristina endireitou-se sem deixar que a sua figura esbelta desse sinais da força que se acumulava no seu interior. Deitou a cabeça para trás, fazendo com que os seus caracóis pretos caíssem pelos seus ombros e olhou para Rodrigo, desafiante.

– Então, terei de encontrar um advogado que consiga, não é verdade?

Mais outro suspiro e a expressão de Rodrigo, que exercia a sua profissão há quarenta anos, foi substituída por um sorriso triste.

– Se pensasse que isso mudaria alguma coisa, então, eu próprio te escolheria um. Não compreendes, minha amiga? – perguntou. – Santa Rosa está falida. Se não aceitares esta oferta, desaparecerá.

Foi como dar uma chicotada a um animal ferido.

Os soluços de Cristina foram como uma tortura para os ouvidos do advogado. Ela virou-se e levou as mãos às mangas da sua camisola enquanto se afastava da secretária. Aproximou-se da janela e observou a planície, onde os gaúchos deambulavam livres e o machismo continuava a imperar.

Lá fora, onde a maioria dos imóveis tinham cedido o seu terreno à soja ou às videiras, Santa Rosa era um dos poucos ranchos de gado que continuava em funcionamento naquela parte do Brasil. Fora sempre gerida por um Marques, desde que os seus antecessores portugueses tinham conquistado a sua terra e construído a casa em que ela se encontrava.

E ali estava, pensava Cristina, a última Marques de uma longa linha e uma mulher.

Uma mulher que obrigavam a enfrentar o desaparecimento da fazenda dos Marques, do seu apelido e do seu orgulho.

– O teu pai devia ter-te dado o controlo há vários anos. Desse modo não teria este problema – replicou Rodrigo. – Era um velho tolo e cabeçudo.

Cristina voltou a pensar na palavra «machismo» e sorriu amargamente. Os homens naquela zona não davam o poder às suas mulheres. O seu pai preferira ignorar o que se passava em seu redor e esperar até morrer em vez de a deixar gerir Santa Rosa.

– Precisas de investir muito para fazer com que este lugar volte a funcionar – continuou Rodrigo. – E precisas de o fazer urgentemente. A oferta do consórcio Alagoas é mais que generosa para o que tu queres, querida.

– Mas a um preço impossível.

O consórcio queria ficar com uma parte de Santa Rosa, o que lhes daria acesso a parte do bosque subtropical, que era de uma beleza excecional, ainda que não fosse isso o que lhes interessava. O bosque afastava o resto do mundo de quilómetros e quilómetros de praias brancas, fazendo com que fosse impossível aceder a elas por terra. Tencionavam comprar essa parte do terreno, destruir o bosque e construir uma estrada até ao Atlântico, onde tinham previsto construir arranha-céus numa zona virgem da costa.

– Há sempre um preço – lembrou-lhe Rodrigo amargamente. – Tu, de todas as pessoas, devias saber disso.

Porque ela já pagara uma vez um preço muito alto para salvar Santa Rosa. Mas esse «preço» morrera, graças a Deus. Juntamente com o homem que fora capaz de vender a sua filha para ganhar uns anos extra de conforto e decidira ignorar a situação. Mas lá estava ela, com os olhos muito abertos, a ver com clareza quem pagava o preço dessa vez. Se aceitasse a oferta, o terreno, as pessoas que viviam nele e o bosque seriam sacrificados.

– Quanto tempo tenho para tomar uma decisão?

– Desejam demasiado selar o acordo para esperarem muito tempo – respondeu Rodrigo.

Cristina assentiu e virou-se.

– Então, deixemos que esperem – declarou. – Entretanto, eu pedirei aos bancos que me ajudem.

– Já fizeste isso várias vezes.

– E fá-lo-ei tantas vezes quantas forem precisas até ficar sem tempo.

– Está a acabar, Cristina – afirmou Rodrigo. – Já não há nada a fazer.

– Devo continuar a tentar – Cristina virou-se para a janela. Atrás dela, Rodrigo observou a sua figura esbelta com exasperação e respeito ao mesmo tempo.

Era linda, deliciosa, o tipo de mulher que aos seus vinte e cinco anos devia ter tido o mundo aos seus pés. Na verdade, houvera um tempo em que ela tivera esse privilégio.

Contudo, então, algo acontecera em casa que a fizera fugir e não se soube nada dela durante mais de um ano. Quando regressara finalmente, já não era a mesma pessoa. Tornara-se mais dura e fria, como se alguém lhe tivesse roubado a luz que a fizera ser aquela pessoa tão bela. Regressara àquela casa, para se ir embora poucas semanas depois como a esposa de Vasco Ordoniz, um homem tão velho como o pai que tão alegremente lhe vendera a sua filha.

Durante um ano, ela vivera no Rio como esposa solitária de um velho rico. Enfrentara os críticos e a sua crueldade sem mostrar os seus verdadeiros sentimentos. Quando Ordoniz ficara doente e se retirara para o seu rancho, levara Cristina com ele. Não se voltou a saber nada dela durante os dois anos seguintes. Então, Ordoniz morrera e soube-se que esbanjara a sua fortuna, deixando a sua esposa caçadora de fortunas sem um tostão. De modo que tivera de regressar a casa do seu pai e tornar-se em empregada e enfermeira de outro homem velho e doente.

– Está bem, tentaremos mais uma vez – concordou Rodrigo e perguntou-se imediatamente se estaria a ser cruel por lhe oferecer esperança. – Acho que conseguiremos ajuda desta vez. Gabriel conhece as pessoas apropriadas – não acrescentou que o seu filho já falara com um homem de negócios anónimo que procurava investir no Brasil. Rodrigo não queria dar-lhe muitas esperanças. – Talvez Gabriel seja capaz de fazer essas pessoas prestarem atenção.

Mesmo assim, quando Cristina se virou para olhar para ele, podia ver-se a esperança crescer no brilho dos seus olhos.

Rodrigo suspirou e acrescentou:

– Talvez Gabriel esteja nos círculos apropriados, Cristina, contudo, os homens de negócios são conhecidos por serem desumanos. Não investirão em ti sem pedirem algo em troca.