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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2005 Sheree Henry-WhiteFeather

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Noites Índias, n.º 682 - Julho 2014

Título original: Apache Nights

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2006

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises

Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5414-7

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Capítulo Onze

Capítulo Doze

Volta

Capítulo Um

 

Onde raios estava?

Joyce Riggs esperava junto às grades fechadas da propriedade de três hectares de Kyle Prescott, com um cão rottweiler furioso a rosnar-lhe do outro lado da grade.

O cão de guarda estava acompanhado por outro cachorro, um pequeno cão salsicha. Quem poderia enfrentar um rottweiler e um pequeno cão salsicha no mesmo jardim?

E, falando de jardim...

Peças de carros espalhadas. Velhos móveis de jardim. Equipamento de pátio. Rodas de carro. Um aquecedor de ferro forjado.

Joyce pestanejou e decidiu que era impossível catalogar tudo. Ao fim e ao cabo, Kyle negociava com aqueles trastes velhos. Ou, pelo menos, essa era a sua profissão legítima, a sua fachada, o trabalho que declarava às finanças.

Ela sabia que ele era um militante que treinava outros militantes, um nativo americano activista que mantinha as autoridades em suspenso. E, para piorar as coisas, estava apaixonada por ele. Sentia uma atracção irritante desde que ambos tinham decidido, há quase oito meses, que se desprezavam mutuamente.

Suspirou e fez o possível por ignorar o rottweiler. Mas não era fácil, pois aquela besta estava a ficar cada vez mais furiosa. Já o cão salsicha, olhava para ela com ar de tonto.

Por fim, um golpe chamou-lhe a atenção. O som de uma porta de madeira a fechar-se, de certeza. Ambos os cães reagiram e, num reflexo, Kyle apareceu ao longe, descendo as escadas do alpendre da sua velha casa.

Vivia numa zona afastada do deserto, onde se dizia que Charles Manson e o seu bando de assassinos tinham passado muito tempo. Um lugar que, a qualquer cidadão local, lhe parecia saído de Helter Skelter, o livro sobre os crimes de Manson.

Kyle aproximou-se de Joyce e olhou-o, acalentando a sincera esperança de que o coração não lhe começasse a bater descontroladamente.

Levou algum tempo, mas por fim chegou à grade, enfatizando os seus longos e preguiçosos passos. Então, dirigiu-lhe um sorriso ao mais puro estilo Rhett Butler de «E Tudo o Vempo Levou». O rottweiler continuava a mostrar os caninos em nome do seu atraente dono. Joyce deduziu que o cão seria macho.

– Detective Riggs – disse ele. – Que surpresa.

– Liguei-te e disse que vinha cá.

– E eu disse que não te incomodasses.

– Será que não tens nenhuma curiosidade em saber por que estou aqui? – perguntou ela.

Ele inclinou a cabeça. Como de costume, tinha uma fita na cabeça que lhe mantinha o cabelo apanhado, reminiscência da era Jerónimo dos apaches. Era um homem alto, um meio índio moreno que vivia a sua herança como uma espingarda do século dezanove.

Vestia uma t-shirt azul, jeans e botas até aos joelhos. Tinha trinta e seis anos, a mesma idade de Joyce, mas não tinham nada em comum; nada, excepto uma forte atracção.

Kyle mudou de posição e o pó da terra pousou em redor dos seus pés.

– Se se trata de um assunto policial, então precisarás de uma ordem judicial.

– Porquê? – perguntou ela, e o vento de Outubro levantou-se como um chicote, batendo-lhe na cara. – Mataste alguém?

O sorriso de Kyle desapareceu. Era um soldado muito condecorado da Tempestade do Deserto, um herói de guerra. Com muito respeito pela morte. Mas ela também. Joyce era detective de homicídios.

Por um instante, ambos se olharam, encurralados naquele momento desafiante. Então, Joyce olhou para o rottweiler, que permanecia em guarda, mostrando os dentes.

– Podes dizer a esse maldito cão que se acalme?

O sorriso regressou, mas os desenhos das grades distorciam os atraentes traços de Kyle.

– Ele não gosta de polícias.

– Duvido que goste de alguém.

– Gosta da Olivia.

Não era de estranhar que Kyle falasse da sua antiga amante. Olivia era uma amiga comum, uma vidente que ajudava o departamento da polícia de Los Angeles, o FBI e todas as agências da lei que Kyle dizia odiar.

Mas Olivia era também uma mulher bela, com uma vontade de ferro que treinava com Kyle no seu recinto privado, algo que Joyce ansiava fazer.

Sobretudo agora, desesperada como estava por reconstruir as suas maltratadas emoções.

– Estou disposta a pagar-te – disse ela.

Isso chamou-lhe a atenção. Deu uma ordem subtil ao cão e este deixou de rosnar. Kyle tinha falado no que parecia ser um idioma estrangeiro. Algo que ela desconhecia. Provavelmente, teria ensinado o cão a obedecer em língua apache.

– Pagar-me porquê? – perguntou ele.

– Pelas tuas sessões. Combate corpo a corpo. Jogos de guerra. Tudo o que ofereces aqui.

– Não treino polícias.

– Então eu serei a primeira.

– Porquê? – perguntou ele dirigindo-lhe um olhar desconfiado.

– Porque estou a passar por um mau momento, assuntos pessoais que não consigo resolver – disse Joyce. Não gostava de expor-se diante dele e não ia revelar detalhes. O relógio biológico de Joyce estava prestes a explodir, algo que não conseguia compreender, algo que parecia estar a fugir-lhe ao controlo. – Preciso de desabafar, pôr-me em forma. Esquecer-me dos meus problemas.

– Então, vai para o campo de tiro da polícia e dispara a tua arma. Faz o que fazem os da tua classe.

– A minha classe? – tinha vontade de dar-lhe um pontapé através da grade, mas sabia que o rotweiler enlouqueceria se tentasse atacá-lo. – Deixa de esconder-te atrás do teu cão e deixa-me entrar.

– Boa tentativa, detective. Mas não sou macho o suficiente para cair nessa.

– A Olivia contou-me tudo sobre ti, Kyle. Tudo.

Kyle teve coragem para sorrir e dizer:

– Portanto sabes que sou bom na cama, não? – fez uma pausa e olhou-a de alto a baixo. – É mesmo por isso que estás aqui, detective? Para desafiar a minha inteligência?

Joyce olhou-o fixamente, dando-lhe uma colherada da sua própria medicina machista.

– Que inteligência?

Kyle quase desatou a rir. Quase.

Quanto a ela, estava acostumada a tratar com homens assim, com criminosos, com outros detectives. Ser mulher num ambiente de homens tornava-a mais forte. Mas às vezes também se sentia sozinha.

Um segundo depois, Kyle surpreendeu-a a abrir a porta.

– Podes entrar se quiseres.

– E que se passa com ele? – perguntou Joyce apontando para o rottweiler.

– O Clyde não te magoará. A não ser que eu lhe diga.

Clyde. Joyce olhou para aquela besta canina preta. Não moveu nem um músculo. Ficou sentado como uma estátua aos pés do amo. Joyce olhou para o cão salsicha, que se abanava de forma engraçada e não pôde deixar de sorrir.

– Como se chama esse?

– Bonnie – respondeu Kyle.

Ela arqueou as sobrancelhas. Bonny e Clyde. Tinha baptizado os cães com os nomes do casal de ladrões de bancos.

– Vais entrar ou não? – perguntou Kyle tamborilando os dedos na grade.

De imediato, uma voz na sua cabeça disse-lhe que fosse para casa, que se mantivesse afastada de Kyle Prescott. Mas a necessidade de enfrentar os seus problemas, de treinar com ele, manteve-a na sua posição.

Além disso, Kyle não aparecia nos seus arquivos, e, embora às vezes as actividades pudessem parecer suspeitas, Joyce queria acreditar que se podia confiar nele. No dia em que se conheceram, Kyle tinha ajudado o departamento de polícia de Los Angeles a prender um assassino, um caso relacionado com bruxaria nativa. Claro que ele só o fizera por Olivia, por uma mulher que se tinha apaixonado por outra pessoa. Não era que Olivia tivesse estado alguma vez apaixonada por Kyle. Dizia sempre que era um pouco bizarro demais para fazê-la sentir-se segura.

Em qualquer caso, Joyce aproveitou a oportunidade e deu um passo em frente. Acto contínuo, Kyle voltou a fechar a grade, fechando-a dentro da sua propriedade, dizendo-lhe, sem palavras, que já era demasiado tarde para voltar-se e sair a correr.

Como se pudesse assustá-la. Nem lhe ocorreria sair dali a correr como uma cobarde, apesar da voz da sua consciência não parar de lhe chamar idiota.

Quando Kyle se voltou, Joyce pôde ver a pistola no seu cinto. Observou a semiautomática e perguntou-se se andaria sempre armado. Sabia aliás que Kyle não tinha licença para usar pistola, mas estava na sua propriedade, e isso colocava-o fora dos limites legais.

– Esperas que apareçam alguns tipos maus? – perguntou ela.

– Só uma rapariga má – disse Kyle, observando a pistola de Joyce. – Mas já chegou.

– Touché.

– Foi ideia tua invadir o meu mundo – disse ele enquanto se dirigia para a casa. – Queres café?

– Desde que não o envenenes.

– O meu café é veneno.

E também o eram as suas feromonas, pensava Joyce. Aquela sexualidade que emanava do seu corpo e o fazia parecer um predador.

Ela caminhou ao seu lado e Clyde seguiu-os. Dava-se conta de que o cão era consciente de tudo o que fazia. Mas Kyle também.

Recusando-se a prestar tanta atenção aos machos, centrou-se em Bonnie. O pequeno animal ia colado a ela, quase arrastando a barriga pelo chão.

Enquanto continuavam a caminhar para a casa e Bonnie contornava todos os objectos que lhe apareciam à frente, Joyce observou as casotas que havia na propriedade.

– É ali que guardas o resto das tuas mercadorias?

Ele seguiu o seu olhar e depois assentiu.

– Móveis, velharias que colecciono, recordações. Coisas que encontrarias num antiquário – respondeu Joyce. Adorava esquadrinhar lojas antigas e encontrar objectos curiosos. – Mas a atmosfera também é importante para mim.

– Não achas que a minha casa tem atmosfera?

Estaria a gozar? Não saberia dizer.

– O teu hangar de aviões tem o seu encanto – respondeu Joyce. A enorme estrutura erguia-se ao fundo de tudo, ocupando pelo menos três mil metros quadrados. Sabia que a construção tinha sido modificada para albergar uma zona com pistolas laser, algo que ela desejava ver. Mas Kyle ainda não aceitara treiná-la.

A ajudá-la com a sua causa.

A lutar contra as emoções que ameaçavam apoderar-se dela.

 

 

Kyle dirigiu um olhar de revés à polícia. Estava disposto a interrogá-la duramente para saber se estava à altura. Pelo que sabia, ela tinha ouvido falar da sua iminente missão e queria meter o nariz nos seus negócios.

Observou por um momento o seu perfil, o seu cabelo loiro até ao queixo, a curva delicada das suas pestanas. Aquele não era um caso para um detective de homicídios. Ele não planeava magoar ninguém. Nada de pistolas nem facas nem nada. Mas o que pretendia fazer não deixava de ser ilegal, e Joyce podia facilmente denunciá-lo a algum dos seus colegas.

Mas, pelo que lhe dizia respeito, a sua missão era sagrada, um assunto espiritual, algo pelo que valia a pena ir para a prisão. Até morrer, se chegasse a ser o caso.

Claro, nenhum de esses riscos o atraía especialmente. Nem a ideia de que Joyce estivesse metida nisso.

Pouco depois, chegaram a casa. Após subirem as escadas carcomidas pelo clima árido, abriu a porta principal e indicou a Joyce que entrasse. Ela entrou e os cães seguiram-na.

Joyce olhou em volta quando chegou à sala e ficou assombrada.

– A Olivia já me tinha avisado que não eras grande dono de casa. Mas isto parece que foi assaltado.

Típico, pensou Kylie, que as mulheres sempre se queixassem do lugar em que vivia, incluindo a sua anterior companheira de cama, uma mulher que o tinha acusado de ser o maior porco do planeta.

Mas ele não se importava. Decorara-a com um estilo de móveis muito eclético, com peças antigas de diferentes épocas. E sim, estava um desastre, com livros, revistas e roupa velha a cobrir quase cada canto. Mas gostava assim. Desta forma, evitava que as suas amantes criassem ideias domésticas a seu respeito.

– Estás preparada para te ofenderes com a minha cozinha?

– Está assim tão mal?

– Provavelmente pensarás que sim.

Quando contornaram a esquina, com os cães sempre atrás, Joyce enrugou o nariz.

– Isto é mais do que ofensivo.

Kyle limitou-se simplesmente a encolher os ombros. Os pratos com comida colada que havia no lava-loiça estavam já a criar bolor. Mas ele tinha uma carrada de loiça extra, caixas e caixas de material em segunda-mão. Quando os talheres ficavam muito sujos atirava-os fora e usava outros. O mesmo acontecia com as frigideiras, caçarolas, copos, etc.

– A cafeteira está lavada? – perguntou ela.

– É nova – disse ele. Ligou o aparelho e preparou-se para preparar uma mistura de café colombiano. Tinha centenas de aparelhos em segunda-mão. – Ou mais ou menos nova. Nunca a usei antes.

– Graças a Deus.

Kyle olhou para ela de lado. Suspeitava que viveria num apartamento arrumadinho na parte oeste de Los Angeles, com flores de seda e um terraço de betão. Bonito, mas prático. Como ela.

Enquanto lhe fazia o café, Kyle encostou-se à bancada e analisou-a demoradamente. Cabelo bem penteado, olhos azuis, uma estrutura óssea digna de menção e maquilhagem mínima. Quanto à roupa, escolhera uma blusa branca, um casaco desportivo e calças pretas.

Conservadora, pensou ele. Como uma polícia.

Mas, desde logo, tinha um corpo muito estimulante, equilibradamente musculado e muito atlético. A sua boca excitava-o também. Os seus lábios eram exuberantes e chamativos. Tinha ouvido dizer que ela tinha uma natureza provocatória. Que namoriscava pelo prazer de fazê-lo. Claro que ele nunca tinha visto essa faceta dela.

Perguntava-se que aspecto teria com um sutiã, rímel e uns sapatos de salto agulha. Incrível, decidiu.

Ela olhou-o furiosa.

– Corta – disse-lhe Joyce.

– Corto o quê?

– Corta esse olhar.

– Qual?

– Esse de cromagnon!

Clyde estava a observá-la com a sua pose de cão de guarda enquanto Bonnie lhe cheirava os sapatos.

– Os homens de cromagnon eram caçadores muito capacitados e grandes colectores de comida. Além de grandes pintores de grutas.

– Sabes muito bem que me referia aos seus hábitos sexuais.

– Arrastar as mulheres pelo cabelo? É uma teoria fascinante, mas não me parece que seja verdade. Os homo sapiens não eram uns brutos sem cérebro. Eram muito mais sofisticados que...

Ela interrompeu-o e Bonnie afastou-se a correr.

– Vais negar que estavas a excitar-te comigo?

– Não – respondeu ele. – Estava a imaginar-te como uma mulher fatal. Poderia fazer-te uma mudança de imagem – acrescentou apontando para a sua roupa.

– A sério? – perguntou ela, e olhou para a sua roupa com o mesmo olhar de desprezo. – Tu também – inclinou a cabeça como se estivesse a imaginá-lo. – Presumo que isso significa que terei de imaginar-te com fato e gravata.

Kyle encolheu os ombros e voltou-se para servir o café. Não vestiria um fato nem morto. Se a sua família o enterrasse com um, voltaria do além para atormentá-los.

– Sais com executivos?

– São do género que me agrada – disse ela, observando a chávena que ele lhe passara. – Tens açúcar?

– Não.

– Leite, natas?

– Leite. Mas não penso partilhá-lo. Só tenho um resto e reservo-o para os cereais de amanhã de manhã.

– És um péssimo anfitrião – disse ela, devolvendo-lhe a chávena.

Ele devolveu-lhe a chávena e disse:

– Nunca te ofereci nada que não fosse veneno. Além disso, mereces por tentares vestir-me com um fato.

– E que mereces tu por me pores de cuecas e cinto de ligas?

– Nada mal, detective – disse ele. – Quase acertaste. – Mas imaginei-te com um sutiã e saltos altos.

– E não tinha uma tanga diminuta?

– Não – respondeu ele olhando-a nos olhos. – Não tinhas nada por baixo.

O café moveu-se na chávena e quase lhe queimou as mãos. Ela estremeceu, mas ele nem se moveu. Tinha assumido o controlo. Tinha-lhe alterado os sentidos.

Joyce recuperou a compostura.

– Deveria arrastar-te pelo cabelo até quase arrancar-to dessa tua pervertida cabeça.

– Gostava de ver isso – disse ele, sem mexer-se de onde estava, desafiando-a a mover-se primeiro. Ela olhou para o rottweiler e Kyle olhou-a com despeito. Teria dado o que fosse preciso para se afastar daquele cão. Ou de ele. Talvez fosse uma polícia muito eficiente, uma detective da secção especial que seguia o rasto a assassinos em série e trabalhava em casos importantes, mas tinha-o procurado em busca de treino, do combate que, supostamente, levava no sangue. Não importava. Ambos sabiam que as habilidades tácticas de Kyle eram superiores às suas. A sua especialidade era o combate corpo a corpo, técnicas aperfeiçoadas no campo de batalha pelas forças especiais dos Estados Unidos, pelas forças armadas e pela marinha.

– É verdade esse discurso que fizeste? – perguntou ele.

– Que discurso?

Kyle deixou a chávena na bancada e respondeu:

– Esse de que estás a passar um mau momento. Que tens problemas que não consegues resolver.

– Não estava a mentir.

Embora Joyce tenha desviado o olhar, houve um brilho especial no seu olhar. Kyle presumiu que seria confusão. Parecia estar em guerra consigo mesma.

Seriam reais os seus problemas? Ou seria uma boa actriz?

– Alguém te magoou? – perguntou ele, decidindo que queria mais respostas. – Foi isso que se passou?

– Não.

– Não irias demasiado a sério com algum tipo? Algum imbecil te enganou? Sabia que havia homens que se aproveitavam, que faziam promessas que depois não cumpriam. Mas ele não era um deles. As suas relações nunca iam além do sexo nem das necessidades mais primárias.

– Não há ninguém – respondeu ela. – Não se trata disso.

– Então que se passa?

– Nada que me interesse falar – o seu peito subia e descia, a sua respiração acelerava-se um pouco. Só um pouco, o suficiente para ele se aperceber.

Decidiu que não estava a fingir. Estava a desabafar com ele. Algo que duvidava que fizesse frequentemente. Não conseguia imaginar que tipo de problemas não poderia resolver uma detective como ela. Desejava beijá-la, saborear a sua confusão, deixar-se seduzir. Mas não estava disposto a romper o seu auto-imposto código.

Não ia para a cama com mulheres brancas.

Claro que isso não significava que não fosse ajudá-la. Joyce tinha recorrido a ele por uma razão legítima.

– Vou buscar o leite.

– Estás a pedir tréguas? – perguntou ela, surpreendida.

– Só estou a tentar ser um anfitrião um pouco decente – respondeu ele; foi ao frigorífico, tirou o pacote de leite e fez a Clyde um sinal silencioso, fazendo ver ao animal que a suposta ameaça não era real. – Vou treinar-te.

– A sério? – perguntou ela, enquanto deitava leite no café. – Como estás de agenda?

– Terei de ver o calendário.

– Eu tenho tempo livre esta semana – disse ela. – Ou é demasiado cedo para ti?

– Procurarei solucionar isso – respondeu ele, embora, na verdade, já o tivesse solucionado.

Ela mexeu o café e ele esboçou um sorriso carnívoro.

A primeira sessão de Joyce, e o ataque surpresa que envolvia, estava quase a começar.