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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2002 Michelle Reid. Todos os direitos reservados.

PAIXÃO ORIENTAL, N.º 723 - julho 2013

Título original: The Arabian Love-Child.

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2003

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®,Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-3355-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

Rafiq Al-Qadim saiu de uma limusina com motorista e entrou pelas portas de vidro do Banco de Rahman. Numa mão levava um jornal enrolado e os seus olhos brilhavam de raiva. Atrás dele ia o seu novo ajudante, Kadir Al-Kadir, com a atitude humilde de quem provavelmente ia pagar pelo mau humor do chefe.

Quando Rafiq se dirigiu ao elevador, as pessoas afastaram-se para um lado de forma a darem espaço àquele homem alto e forte. Ele não se apercebeu. Estava consumido pela ira. Carregou no botão do elevador e as portas fecharam-se, deixando de fora Kadir Al-Kadir e os inúmeros rostos surpreendidos com a sua atitude.

Nunca o tinham visto assim. Era conhecido pelo seu enorme autocontrolo. No entanto, nunca tinha estado tão chateado. A raiva ameaçava rebentar.

O elevador demorou menos de quinze segundos a chegar ao destino. As portas abriram-se. Rafiq saiu. A sua secretária olhou-o, ficou pálida e baixou os olhos.

– Bom dia, senhor – saudou-o. – Tenho várias mensagens telefónicas para si, e a primeira pessoa que quer falar consigo chegará dentro de...

– Não me passe chamada nenhuma. Nada... – interrompeu-a, e continuou a andar.

A secretária, Nádia, seguiu-o com o olhar, surpreendida, porque também nunca o tinha visto daquela maneira.

O escritório de Rafiq era luxuoso. Tectos altos, chão em mármore e uma parede de vidro. A pálida luz do sol da manhã de Inverno londrina iluminou o seu cabelo negro e o seu forte perfil árabe.

Deixou o jornal na mesa de mármore e, com um gesto brusco, desfolhou-o.

O trabalho de Kadir era consultar todos os jornais do mundo e marcar as notícias que pudessem interessar ao presidente do Banco de Rahman. No entanto, Kadir não voltaria a cometer aquele erro, pensou Rafiq com raiva, olhando para o jornal. Uma mulher tinha-o enganado, tinha-o tomado por estúpido. E ali estava tudo, estampado na página central de um jornal sensacionalista espanhol. A sua vida privada aparecia exposta, manuseada e, ainda por cima, era motivo de gozo. O título era:

 

Declarações incríveis: Serena Cordero deixa xeque milionário para casar com o seu par de dança, Carlos Montes.

 

Fazia apenas seis meses, ela tinha-se colado a ele como uma lapa, tinha-o adorado e tinha-lhe dito que não poderia amar mais ninguém. Mentirosa, traidora e infiel! O seu irmão Hassan já o tinha advertido acerca de Carlos Montes e Serena.

Rafiq não fez caso dos rumores, achando que eram mera publicidade para apimentar um pouco a tournée que estavam a realizar os dois bailarinos de flamenco.

Agora sabia a verdade, e sentia o sabor da amargura perante a sua ingenuidade ao acreditar que Serena não poderia desejar outro homem senão ele. Era a terceira vez na sua vida que era enganado por uma mulher. A primeira vez, pela sua mãe, e a segunda, pela única mulher que tinha amado.

Depois dessa última experiência amarga, tinha jurado que nunca voltaria a deixar-se enganar por uma mulher.

E tinha acontecido de novo.

O seu telemóvel tocou. Tirou-o do seu bolso e levou-o ao ouvido.

– Querido...– ouviu dizer em espanhol. – Por favor, não desligues. Necessito que me oiças!

Rafiq endureceu o seu gesto ao ouvir o tom sensual do outro lado da linha.

– Temos problemas com a tournée. Necessitávamos de uma notícia que nos desse publicidade. Amo-te, Rafiq. Sabes que te amo. No entanto, um casamento entre nós nunca seria possível. Não podes aceitar a situação tal como está?

– És a mulher de outro. Não voltes a ligar-me – disse Rafiq, e desligou, atirando o telemóvel como se estivesse contaminado.

Ergueu-se em silêncio e viu diante de si o telemóvel que tinha atirado e o maldito jornal graças ao qual o resto do mundo estaria a rir dele. No entanto, era um homem sério, e quem se risse dele transformar-se-ia num autêntico inimigo.

Apanhou o jornal e atirou-o violentamente para o cesto do lixo, olhando-o de lado. O nome de Serena Cordero não voltaria a aparecer diante dos seus olhos, jurou. Entretanto, o telefone do seu escritório tocou. Rafiq cravou-lhe os seus olhos negros e agarrou-o como se fosse o pescoço da sua vítima.

– Eu disse chamada nenhuma! – gritou.

– Pelo teu tom, suponho que hoje já viste as notícias – disse uma voz seca.

Era o seu meio-irmão, Hassan. Devia ter imaginado. Virou-se e deixou-se cair na sua cadeira de pele.

– Se me telefonaste para dizer «eu bem te disse», aconselho-te a calares-te – respondeu.

– Devo ter pena? – sugeriu Hassan com ironia.

– O que podes fazer é não te meteres naquilo que não te diz respeito – respondeu Rafiq. Depois acrescentou em tom grave: – O nosso pai sabe?

– Deves achar que não temos mais nada para fazer do que dedicarmo-nos a comentar os acontecimentos da tua vida amorosa!

– Não tenho vida amorosa nenhuma – respondeu, irritado, Rafiq.

Aquilo tinha sido parte do problema com Serena. Não tinha sido fácil ter tempo para partilhar, com a apertada agenda de ambos... Apenas a tinha visto três vezes nos últimos meses. Quando Serena viajava pelo mundo com o seu espectáculo, ele saía na direcção contrária por causa dos seus negócios.

– Como está o nosso pai? – perguntou.

– Está bem – assegurou o irmão. – As análises ao sangue estavam bem, e ele está bem-disposto. Não te preocupes com ele, Rafiq. Tem intenções de ver nascer o seu primeiro neto.

Rafiq respirou profundamente. Os últimos seis meses tinham sido duros para todos eles. A doença do pai tinha sido longa e penosa. Tinham sido anos de dor e desgaste. E quase o tinham perdido há seis meses.

No entanto, graças a Alá, tinha-se recomposto ao ouvir a notícia da chegada do seu primeiro neto. Agora, a doença estava estagnada, contudo, ninguém podia dizer por quanto tempo continuaria assim.

Então, desde aquele momento, tinham decidido que um dos irmãos iria acompanhá-lo sempre. Aquele homem necessitava do apoio dos seus filhos. E eles estavam tranquilos pelo facto de um deles estar sempre presente caso o pai piorasse. Pelo facto de a esposa de Hassan, Leona, estar na última etapa da sua tão esperada e desejada gravidez, Hassan tinha decidido que seria ele quem se iria dedicar ao pai e se ocuparia dos assuntos de Estado. Por sua vez, Rafiq ocupar-se-ia dos negócios internacionais da família.

– E Leona? – perguntou Rafiq.

– Redonda – brincou Hassan.

Mas Rafiq reparou no tom de felicidade e orgulho na voz do seu irmão. Sentia vontade de saber como era sentir-se assim.

Depois, pensou que não, que não estava disposto a passar por aquele caminho espinhoso, e mudou de assunto; era melhor falar de negócios.

No entanto, quando desligou, ficou ali, a dar voltas à cabeça, perguntando-se por que motivo estava tão chateado.

Nunca tinha amado Serena. Era certo que o casamento entre eles era algo impossível, mas ela era charmosa e apaixonada, a mulher perfeita para ter na cama. Contudo, o amor nunca tinha sido o motor da sua relação, ainda que ela gostasse de usar essa palavra com ele. Tinha sido o sexo, somente o sexo, aquilo que os tinha unido. E semear um amor como o do seu irmão era uma parvoíce.

Pôs-se de pé e aproximou-se da janela para espreitar. Recordou que num determinado momento da sua vida pensou ter encontrado o amor, e que logo de seguida se deu conta de que não era verdadeiro. Desde então, não tinha procurado o amor. Não queria voltar a sentir algo que o atrapalhava penosamente.

Nem desejava passar os seus genes a ninguém. Isso era para Hassan e Leona, cujos genes podiam misturar-se com êxito.

O seu coração pareceu encolher-se e sentiu uma dor. Estava só. A solidão da sua vida fazia-o invejar todas as pessoas que caminhavam na rua em direcção a casa, porque certamente teriam alguém que as esperava em casa, enquanto ele...

Bom, ele estava ali, na sua torre de marfim, a personificar o rico e poderoso privilegiado, invejado por todos, quando a verdade era que, às vezes, na parte afectiva, sentia-se tão pobre como um mendigo.

Seria culpa de Serena? Não, de Serena não, mas sim daquela outra mulher de cabelo dourado, como a rapariga que estava parada na esquina, lá em baixo, reflectiu. Melanie tinha-o destroçado. Bela, tímida e calculista, tinha conhecido um Rafiq muito jovem e confiante, pleno de optimismo, e tinha-o transformado no homem duro e cínico que era na actualidade.

Onde estaria Melanie agora? Que teria sido feito dela nos últimos oito anos? Recordar-se-ia dele alguma vez e do que lhe tinha feito? Teria ouvido falar do seu nome? Esta última hipótese era a mais provável, pensou. Porém, Melanie podia ter cara de anjo, no entanto, tinha o coração de uma prostituta, e as prostitutas não recordam os nomes dos seus amantes. O seu, com certeza, estava misturado com o de todos os homens.

O telemóvel voltou a tocar. Seria outra vez Serena, pensou. Não era o tipo de mulher que se dava por vencida facilmente.

Que fazer? Atendia a chamada? Ignorava-a?

Olhou para a estranha de cabelo dourado da rua. Estava perdida. Parecia não saber para onde ir. Ele compreendia aquela sensação.

Na verdade, até a estranha da esquina teria tido mais possibilidades de que ele atendesse a sua chamada do que Serena.

Não atenderia o telefone; aquela mulher merecia ser punida.

 

 

De pé no passeio, frente ao imponente edifício de mármore e vidro do Banco Internacional de Rahman, Melanie tentava convencer-se que estava a fazer o que era certo, indo ali.

Teria alguma possibilidade de que aquilo saísse bem?

Estaria a perder tempo ao ir ali ver um homem que sabia, por experiência, não sentia nenhum respeito por ela?

«Lembra-te do que te digo, lembra-te do que te digo», advertia-a uma voz na sua cabeça. «Dá a volta, Melanie. Desiste.»

Contudo, ir-se embora era a opção mais fácil. E as opções fáceis nunca eram as suas. Ou fazia aquilo ou ia para casa e não dizia nada a Robbie. Estava entre a espada e a parede.

«Pensa em Robbie», disse para si firmemente, e animou-se a andar até às portas de metal prateado e vidro.

Ao aproximar-se, viu o seu reflexo no vidro. Não lhe agradou. Uma mulher muito magra, de cabelo claro e uma grande palidez na cara devido ao stress. Os seus olhos pareciam muito grandes e a sua boca, vulnerável.

Sobretudo, parecia muito frágil para quem ia ver o arrogante Rafiq Al-Qadim. Ele podia pisá-la sem nem sequer se dar conta disso, advertiu-a o seu reflexo. «Vai fazer-te aquilo que te disse da última vez. Vai fulminar-te com o olhar.»

Não, desta vez não deixaria que o fizesse.

As portas abriram-se e ela sentiu um nó no estômago.

Tal como o exterior, o interior do Banco de Rahman era de mármore, aço e vidro. Três andares de parede de vidro davam a impressão de um espaço aberto, mas estava cheio de computadores. As plantas exóticas não conseguiam suavizar a atmosfera fria. Pessoas de fatos escuros moviam-se com a confiança de quem sabe exactamente o que está a fazer.

Era um lugar frio e sofisticado, tudo aquilo que ela não fora. O mundo duro das finanças não a fascinava. Nunca a tinha fascinado e nunca o faria. No entanto, tinha que admitir que se tinha vestido para aquela ocasião com um fato escuro de acordo com aquele lugar.

Tinha sido deliberado? Sim, tinha sido deliberado, disse-se, enquanto atravessava aquele edifício espelhado com os seus sapatos de salto alto rumo aos elevadores.

Tinha-se vestido para impressionar, para fazer com que Rafiq pensasse duas vezes antes de a humilhar de novo. Melanie Leggett, vestida com calças de ganga, nunca tinha conseguido isso, mas Melanie Portreath, vestida com um fato de marca, talvez o impressionasse.

Uma placa metálica que havia entre os dois elevadores indicava os departamentos que existiam em cada piso. Melanie duvidou um momento, mas logo pensou que ele só podia estar no último piso, porque os poderosos executivos gostavam de ter os seus subalternos por baixo deles.

Ela sabia-o bem, dado que há muitos anos tinha tido o papel de um ser inferior que adorava o seu superior, e sabia bem o que era sentir-se pisada.

Era melhor que tirasse aqueles pensamentos da sua mente, pensou, enquanto o seu coração começava a acelerar-se. Tocou no botão do último piso e mal sentiu que o elevador começara a funcionar. Estava nervosa e um pouco agitada com aquilo que se iria passar.

Ia enfrentar a verdade, uma obscura e perigosa verdade.

A porta do elevador abriu-se e as suas pernas começaram a fraquejar. Saiu. O espaço daquele corredor era mais pequeno, mas refinado. O chão estava coberto de tapetes e havia uma secretária feita de um material semelhante ao ferro diante de uma parede de vidro coberta com persianas.

Uma mulher morena estava a trabalhar por detrás da secretária. Levantou o olhar ao ver Melanie aproximar-se, levantou-se e sorriu.

– Senhora Portreath? Encantada em conhecê-la! – disse, a sorrir calorosamente, com um leve sotaque estrangeiro. – O meu nome é Nádia – estendeu a mão para cumprimentá-la. – Sou a secretária do senhor Al-Qadim. Receio que o senhor Al-Qadim se tenha atrasado um pouco esta manhã – desculpou-se. – E a informação que enviou ao seu advogado chegou apenas há cinco minutos. Por favor...– indicou vários sofás de pele. – Ponha-se cómoda enquanto vou ver se o senhor Al-Qadim está disponível.

Melanie pensou que não estaria disponível para ela.

Nádia dirigiu-se a uma porta enorme de madeira. Parou, como se necessitasse de recompor-se antes de a abrir, abriu-a e entrou.

Melanie pensou que, se a secretária tinha que se preparar antes de interromper o chefe, o que a esperaria a ela?

Ele era um homem que podia petrificar qualquer um com um único olhar. Um homem que podia arrasar uma pessoa com uma só palavra: «Não».

Sentia um nó no estômago ao lembrar-se disso. Durante seis semanas, Rafiq tinha-a cortejado e tinha tentado seduzi-la de forma a que ela se apaixonasse por ele. Tinha-lhe perguntado se queria casar-se com ele e tinha-lhe prometido a Lua. Tinha-lhe dito que ninguém poderia amá-la como ele a amava... Então, tinha-a levado para a cama e tinha-lhe roubado a inocência. Depois, com a frieza de uma cena preparada meticulosamente, tinha-lhe voltado as costas com aquela palavra: «Não».

Queria realmente voltar a passar por essa humilhação?, perguntou a si mesma. Não era uma loucura querer expor Robbie à mesma coisa?

Começou a pensar seriamente em dar a volta e voltar por onde tinha vindo.

Nesse momento, a porta do escritório abriu-se.

– Senhora Portreath? – perguntou a secretária.

Melanie não podia mover-se. Era horrível. Por um momento, pensou que ia desfalecer.

– Senhora Portreath...?

«Lembra-te do motivo pelo qual estás a fazer isto», disse-se Melanie. Tinha que pensar em Robbie. Ele adorava-a e estava a sofrer naquele momento, sentindo a vulnerabilidade da sua própria vida e, mais ainda, da dela. Rafiq não sabia no que tinha dado aquela noite há oito anos atrás. Merecia a oportunidade de saber da existência de Robbie, e o menino merecia a oportunidade de conhecê-lo.

No entanto, ela tinha medo do que aquilo poderia significar para todos eles. Rafiq pertencia a uma raça e a uma cultura diferentes. Via as coisas de um prisma diferente do dela. Podia não querer saber de Robbie.

– Senhora Portreath? O senhor Al-Qadim vai recebê-la agora.

Se Rafiq rejeitasse Robbie, seria um golpe muito duro para o menino. Claro que não tinha porquê dizer-lhe nada acerca da sua visita a Rafiq... Por outro lado, sabia que, para o seu filho, valia a pena correr o risco. Devia fazê-lo por Robbie.

«Sim, vou fazê-lo por ele, e talvez assim comece a dormir de noite», pensou.

«Vai-te embora», recordou a ordem de Rafiq na sua cabeça. Devia considerar a hipótese de voltar a ouvi-la, por Robbie.

– Sim, obrigada – murmurou, recuperando o controlo de si mesma.

A porta que dava para o escritório de Rafiq ficou aberta. Nádia permaneceu de pé, de um lado da porta, à espera que Melanie entrasse.

Melanie deu um passo em frente e entrou.

A divisão tinha outro ambiente de ferro e mármore, com tectos altos e uma parede de vidro.

Do lado oposto do escritório estava Rafiq Al-Qadim. Usava um fato cinzento-escuro e estava a olhar para uns papéis que tinha em cima da mesa.

Os papéis que ela lhe tinha enviado, reconheceu Melanie. Os seus requerimentos. Voltou a ficar nervosa. Já teria conhecimento disso? Já saberia?

Parou ao lado da porta, esperando que ele levantasse os olhos.

Rafiq pareceu tardar em fazê-lo deliberadamente. Não estava certo se tinha feito bem em aceitar aquele encontro com a tal senhora Portreath. Se bem que a mulher tinha herdado a fortuna dos Portreath, os seus milhões eram pouca coisa para um banco de investimentos como aquele. Randal Soames, o gestor e testamentário dos bens dos Portreath, tinha-o convencido a aceitar aquela entrevista. Ele tinha aceite como um favor a Randal, porque a mulher tinha teimado em fazer uso dos serviços do banco e, ainda mais, em ter uma entrevista com ele. Devia ser muito manipuladora para ter conseguido convencer Randal Soames contra a sua vontade.

Não lhe agradava esse tipo de mulher. Claro que era certo que não apreciava todas as mulheres.

– A senhora Portreath está aqui, senhor – informou Nádia, conhecedora do mau humor do seu chefe.

Rafiq fez um esforço e tentou sorrir ao levantar a cabeça. O que viu foi como um atentado ao seu coração. Por um momento, perguntou-se se não estaria a ter visões. Não podia acreditar. Parecia que tinha invocado a sua presença. A qualquer momento, apareceriam outras duas mulheres: Serena e a sua mãe. As três bruxas.

 

 

Quando Rafiq levantou a cabeça, Melanie sentiu que não podia respirar.

Ele não tinha mudado, foi o seu primeiro pensamento. Continuava a ter o porte de um gladiador romano e o gesto de quem não mostrava qualquer debilidade. Tinha o cabelo preto como sempre, as mãos grandes e fortes como se recordava. Podia encher a casa com aquele tamanho e aquela presença sólida e eléctrica, pensou. Contudo, a sua altura e tamanho, aliados à sua atitude reservada, tinham-na feito ser muito amável com ele no passado. Porque teria sido? Não era um gigante vulnerável. Pelo contrário, tinha sido cruel, um homem sem coração, pela maneira como a tinha abandonado.

Esperava encontrar aquele brilho brutal nos seus olhos, no entanto, o que encontrou deixou-a gelada: eram os mesmos olhos de Robbie. Os sublimes olhos negros de Robbie. As longas pestanas de Robbie, as suas feições.

E a sua beleza, santo Deus! Tinha-se esquecido daquela beleza masculina.

Como podia ser-lhe indiferente, quando tinha sido ele quem tinha esculpido a imagem do seu filho? Era como olhar para o futuro e descobrir o seu adorado Robbie com trinta e tantos anos; um homem atraente destinado a partir corações do mesmo modo que o seu pai tinha feito. Não sabia se isso a deixava orgulhosa ou preocupada. Mas... porque pensava nessas coisas num momento em que devia ocupar-se de coisas mais importantes?

Sentia os nervos e o temor no seu interior. Tinha vontade de chorar. Chorar por um amor perdido, por um amor irrecuperável. Não queria sentir-se assim. Doía-lhe tanto como na altura em que ele tinha saído da sua vida.

Um movimento atrás dela chamou-lhe a atenção. A secretária ainda estava ali, com certeza a perguntar-se o que estava a acontecer; nem ela nem Rafiq tinham dito uma só palavra. Rafiq estava gelado, em estado de choque. Era evidente que não podia articular uma só palavra.

Por isso teria que ser ela a fazê-lo, pensou Melanie.

Tinha estado a planear como reagiria quando chegasse aquele momento. Tinha de reunir forças para pôr o seu plano em acção. No entanto, não era fácil. Tinha ido ali pensando que não sentia mais nada por Rafiq. E agora sabia que não era assim.

Caminhou até à sua secretária e parou a meio metro dele.

Olhou-o. Ela era alta, mas, em comparação a Rafiq, parecia pequena. E aqueles ombros largos e aquele torso viril e musculado...

Devia deixar de reparar no seu corpo musculoso, porque isso mexia com ela.

Olhou-o e os seus olhos negros pareceram puxá-la como um íman para se aproximar mais dele.

Resistiu. Depois, com toda a sofisticação que tinha adquirido naqueles oito anos, murmurou:

– Olá, Rafiq. Já passou muito tempo, não foi? – e estendeu uma mão surpreendentemente firme para o cumprimentar.